Maricá/RJ,

África de todas as cores, sons e... sabores

Junho de 2009
África de todas as cores, sons e... sabores



Jingoma, vozes da África

Nádia P.Chaia (Sidewí)


O som dos jingoma, num toque ritmado e contínuo, nem muito rápido e nem muito lento, ta ta ra ta tam tam tam... ta ta ra ta tam tam tam... vai, numa Casa de Angola, uma das muitas pequenas Áfricas existentes no Brasil, buscar memórias antiquíssimas, guardadas talvez no inconsciente, onde cânticos e danças encenam mitos e reverenciam ancestrais.
Lembrando os tempos em que os negros se reuniam para seus ritos no meio do mato, em clareiras, o chão do barracão, denominação dada ao espaço, é coberto de folhas. O cheiro das folhas, os cânticos, os gestos, criam como que uma ponte que vai ligando o presente ao passado; terras brasileiras a terras africanas antes da chegada dos colonizadores.
Os barracões, também chamados de roças, procuram reproduzir, dentro do possível, as estruturas sociais africanas. Assim o (a) dono(a) da casa, zelador(a) ou ainda outras tantas maneiras de designa-lo(a), representa a figura de um rei ou rainha africanos.
Formando uma roda em sentido anti-horário e guiados pelo zelador, entram no espaço destinado as danças os membros da comunidade e os amigos convidados para tal. Não é considerado um ato de boa educação entrar na roda para dançar sem que se tenha sido chamado pelo dono da casa. Tem início a festa.
Primeiro canta-se e dança-se em honra aos guardiões, aos andarilhos dos caminhos. Sempre cantando e dançando o zelador escolhe duas ou três pessoas, em geral duas mulheres entre as mais antigas na casa, e estas vão ao portão de entrada ofertar-lhes mavile e água. O mavile representa a fartura, o alimento e é entregue para que, satisfeitos, não atrapalhem o caminho de quem vem para a festa em paz e, por outro lado, não permitam a chegada de desordeiros. Já a água, sendo indispensável a vida, é considerada a bebida mais preciosa. É, também, um elemento purificador.
Quando aqueles que foram ao portão retornam, o cantador ou o(a) dono(a) da casa começa a cantar louvando mpemba que veio de Angola. Nesse ponto, se reproduz um dos mais belos mitos da cultura bantu. O(a) zelador(a)toma nas mãos uma vasilha contendo um pó branco de cheiro agradável que vai, ao ritmo dos jingoma, salpicando pelo salão. A seguir, ainda salpicando o pó, dirige-se ao portão onde deposita uma quantidade maior e retorna ao barracão. Ali, dirigindo-se ao centro, sopra para o alto o que sobrou do pó, formando uma nuvem esbranquiçada que logo se dissipa. Está, assim, representado o mito da criação.
Conta uma das inúmeras lendas bantu que quando Nzambi criou o mundo, depois de espalhar a vida sobre a terra com o seu hálito, pegou em suas mãos um pouco de mpemba e soprou para o alto criando, assim, as nuvens que até hoje enfeitam o céu e precipitam a chuva renovadora sobre a terra.
A festa segue adiante com muita alegria e animação e, um a um, vão sendo homenageados os ancestrais cujos feitos renderam-lhes o direito a tal honraria. Quando algum deles manifesta a sua presença é recebido com muita alegria e tratado com todo o respeito.
Terminado o último cântico, executada a última dança, todos são convidados a participar de uma refeição comunitária. Muitas vezes quando os últimos convidados se retiram o dia já vai raiando. Estão todos cansados mas ao mesmo tempo felizes: África e Brasil se abraçaram mais uma vez.
Uma das pilastras em que se apoiam as culturas negro-africanas é a crença na existência de um mundo paralelo a este em que vivemos. É o mundo invisível, que equivale ao mundo visível, habitado pelos espíritos. O som dos jingoma funciona como batidas nas portas de uma casa para que sejam abertas; como vozes que chamam os ancestrais para ouvirem os cânticos, receberem as honrarias e intercederem pelos vivos. São, ainda, as vozes da velha Mãe África preservadas até hoje.


Glossário
Jingoma ( kb.sing. ngoma) - tambores

Mavile (kb.) – denominação dada nas casas Angola/Congo a u’a mistura de farinha de mandioca com dendê, água ou mel

Mpemba (kb) – pó branco ritual, preparado uma única vez no ano, que recebe também o nome de Ngonga (gongá) por ser consagrado a uma divindade assim denominada. Essa divindade é a que traz a paz e a felicidade. Pemba é, também, o nome dado a um tipo de giz, que pode ser colorido ou não, nos rituais de umbanda.

Bantu – povos habitantes de grande parte do território africano, com línguas aparentadas e culturas afins. Primeiro grupo de negros a chegarem aos portos brasileiros sendo, por isso, responsáveis por grande parte de nossas heranças africanas.

Nzambi – (kb.kk) – Deus , o Criador de tudo.

Kb- kimbundu
Kk – kikongo.

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