Maricá/RJ,
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Canteiro Literário

Junho de 2009
Canteiro Literário





A dimensão esquecida: a vida interior



Leonardo Boff


A vida interior representa, atualmente, uma das dimensões mais esquecidas da humanidade. Urge resgatá-la pois nela se encontra serenidade e o sentimento sagrado da dignidade.
Primeiramente, importa aclarar a palavra interior. Ela é o reverso do exterior. A vida possui uma dimensão exterior. É a nossa corporalidade. A cultura moderna inflacionou a exterioridade através de todos os meios de comunicação. O mundo das pessoas foi totalmente devassado.

Mas existe também o interior. Geralmente o interior é aquilo que não se vê diretamente. Podemos conhecer e até nos fascinar pelo exterior de uma pessoa, por sua beleza e inteligência. Mas para conhecê-la, precisamos considerar o seu interior, seu coração, seu modo de ser e sua visão de mundo. Só então podemos fazer juízos mais adequados e justos sobre ela.
O interior possui ainda um significado de qualidade de vida. Assim dizemos que a vida no interior é mais tranqüila, mais integrada na comunidade e na natureza, no fundo, com mais possibilidade de nos fazer felizes. É que a vida no interior não está sujeita à lógica da cidade com o ir e vir das pessoas e com a parafernália técnica e burocrática e as ameaças de violência.

Por fim, interior significa a profundidade humana. Este interior, o profundo, emerge quando o ser humano pára, faz silêncio, começa a olhar para dentro de si e a pensar seriamente. Quando coloca questões decisivas como: que sentido tem minha vida, todo esse universo de coisas, de aparelhos, de trabalhos, de sofrimentos, de lutas e de prazeres? Há vida para além da vida, já que tantos amigos morreram, às vezes, de forma absurda, em acidentes de carro e por bala perdida? Por que estou neste planeta pequeno, tão belo mas tão maltratado?

Quem oferece respostas? Geralmente são as religiões e as filosofias pois sempre se ocupam com estas questões. Mas é ilusório pensar que com a freqüência aos cultos ou com a adesão a alguma visão de mundo se garante vida interior. Tudo isso importa, mas só na medida em que produzir uma experiência de sentido, uma comoção nova e uma mudança vital.
Vida interior não é monopólio das religiões. Estas vêm depois. Vida interior é uma dimensão do humano. Por isso é universal. Está em todos os tempos e em todas as culturas.

As religiões cumprem sua missão quando suscitam e alimentam a vida interior de seus seguidores, quando criam condições de fazerem a viagem para o seu interior, rumo ao coração onde habita o Mistério. Vida interior supõe escutar as vozes e os movimentos que vêm de dentro. Há um eu profundo, carregado de anseios, buscas e utopias. Há uma exigência ética que nos convida para o bem, não apenas para si mesmo pessoalmente mas também para os outros.
Há uma Presença que se impõe, maior que a nossa consciência. Presença que fala daquilo que realmente conta em nossa vida, daquilo que é decisivo e que não pode ser delegado a ninguém. Deus é outro nome para esta experiência que preenche a nossa busca insaciável.

Cultivar esse espaço é ter vida interior. O efeito mais imediato desta vida interior é uma energia que permite enfrentar os problemas cotidianos sem excessivo estresse. Quem possui vida interior irradia uma atmosfera benfazeja e confere repouso àqueles que estão à sua volta.
Alimentar a vida interior, como sempre repete Arthur da Távola em seu programa de televisão “Quem tem medo de música clássica”, é não ter mais solidão. A solidão é um dos maiores inimigos do ser humano, porque o desenraiza da conexão universal. A vida interior o religa ao Todo do qual é parte.

Leonardo Boff - Teólogo.

Poema

Hoje

Hoje olhei-me bem fundo...
Senti saudades de mim,
de quem já fui neste mundo.
De quem passou... ficou assim...

De parentes, de amigos,
tenho umas poucas lembranças ...
Creio que só as crianças
Ainda trago comigo.

Nádia Chaia (Sidewí)

Canteiro Literário

Novembro de 2008
Canteiro Literário





O LÍRICO DA COR

Nádia Chaia (Sidewví)

Quando falamos em cultura negra no Brasil nos vem à cabeça, de imediato, a figura do sambista, do capoeira, etc, mas e a poesia?
Pensando em uma cantiga tradicional trazida nos porões dos tumbeiros e que, graças a uma insistente repetição, ainda permanece viva na memória, encontrei bela e suave poesia.

“Ndandalunda(*) menha kisimbi,
Kalunda(**) menha-menha.”


“Ndandalunda – água da fonte,
águas insulares
(tradução livre)

O orgulho de um povo não pode advir somente de sua capacidade de luta e resistência, mas também de sua alma, de seu lirismo, de sua capacidade de respeitar e reverenciar aquilo que não é visto pelos olhos, mas sentido na pele, na alma, em todo um ser.

(*) kianda - espírito das águas doces

(**) insulano - habitante das ilhas

Batuque



Bate um tambor no meu peito
tambor de noite escura
não sei se é tambor de Mina
não sei se é tambor de Zâmbi
sei que bate este tambor
por baixo da minha pele
por dentro da minha cor.

Maria Regina Moura

Canteiro Literário

Setembro de 2008
Canteiro Literário





ABRAÇO

Renato Defanti Ferreira

Enquanto andava pelas ruas, fiquei imaginando como seria a vida se não existissem as mulheres, me fiz esta pergunta pelo simples motivo de que eram maioria esmagadora em todos os lugares para onde eu quisesse olhar. Faço prioridade então afirmar que acho estas criaturas algo que mais se aproxima de uma total perfeição, nas mulheres se esconde a verdadeira intenção do criador em tornar este mundo belo, deste modo, quero destacar que estava no interior de um posto de saúde, esperando minha vez num daqueles banquinhos compridos feitos de tábua de pinho ou cedrinho.
Eu havia pegado um pequeno pedaço de papel, que eles lá tentavam me convencer que se tratava de uma senha e minha imaginação não muito fértil na ocasião fazia-me revistar aquele número (79) mais de trinta vezes por minuto, eram escritos pelos próprios funcionários do posto, por isso fiquei estupidamente gastando meus olhos em apreciar as marcas da caneta, a tortura permanente e uma ligeira falta de padrão algum. A parede quente amparava minhas costas que fingiam se aconchegar, trazendo-me uma sensação quase que gostosa.
Veio ao corredor uma mulher que não deveria ter mais que quarenta anos, nos braços uma pequena menina de cabelos negros, encaracolados como os dos anjos que vemos nas folhinhas doadas pela igreja.
Embora um não muito forte sono me ocorresse, avistei antes mesmo que a mulher se sentasse ao meu lado o pequeno papel, a senha que organizava as chamadas, o seu número: (123).
Sentou-se ao meu lado com jeito de imenso cansaço, provavelmente a noite tinha sido uma daquelas bastante longas, a garotinha me parecia desmaiada em seu colo, estava mole perante o calor, eu conseguia sentir o calor daquela pele juvenil até mesmo sem tocá-la, o meu diagnóstico de tudo que sabia na vida era que ali se instalava uma terrível gripe ou coisa assim. O corpo pequenino então se mexeu agarrando-se ao da mãe, os braços de quem é mãe creio eu são totalmente diferentes dos nossos, pessoas comuns. Recostando-a ao peito, vi a mulher abraçar o anjinho que caía de doente, o que via valia bem mais do que qualquer número, mais que o meu (79), um abraço sincero e curador, sem pretensões que não fosse levar a paz, senti-me lisonjeado por tal momento, pela forma e dedicação de mulher, de maneira que pude perceber que tudo que pudesse ter de errado comigo poderia ser curado por um abraço como aquele, lembrei-me que também gostava de abraços e como não havia ninguém para me abraçar, tomei aquele como se fosse um pouquinho meu também.
Uma senhora adentrou o corredor e espalhou aos quatro cantos:
- Setenta e nove! Setenta e nove!
Fiz minha visão interior da vida e da necessidade de um amor daquele, do amor de uma mãe para com um filho, nunca antes estive tão perto de descobrir o motivo pelo qual é dado à mulher o poder de ser mãe e desenvolver outro ser em si própria, somente mesmo as mulheres poderiam ser mãe.
- Vamos, senhora! É a senhora.
Levei a mulher para o consultório e dei-lhe a vez que o (79) me proporcionava, antes que esta quisesse me agradecer e começar a dizer alguma coisa, fiz gestos de que não precisava, para minha surpresa ela se aproximou e para minha grande alegria era a minha vez de ser abraçado, deixei-a com intensa satisfação pelo que havia feito, porém, trazia comigo o número (123) que havia ganhado como numa troca. No corredor corri todos rapidamente sobre o banquinho comprido, escolhi um senhor que havia acabado de chegar, bati em seu ombro e passei-lhe o número, me olhou não demorando a perguntar:
- Não vai precisar?
- Não, senhor – respondi dizendo que já havia sido curado.
Durante mais de um mês, mantive em mim o deslumbramento de um maravilhoso e sensacional abraço, sem desprezar a gigantesca sinceridade de um sorriso.

Renato Defanti Ferreira - nasceu em São Gonçalo, em 26 de maio de 1980, reside em Maricá há mais de 17 anos, concluiu Curso Superior em Letras Português/Inglês pela Universidade Estácio de Sá, atualmente trabalha no Condomínio do Edifício Elisa, na área administrativa. É autor de diversos textos e livros.

“KILOMBO CULTURAL – O BLOG” COLOCA MARICÁ NA CENA DO MUNDO

Com criação, desenvolvimento e manutenção da escritora e artista plástica Patrícia Custódio (também integrante da Comissão Editorial do Kilombo Cultural), a versão virtual do Jornal vem recebendo visitantes de várias partes do Brasil e de vários países. Com o objetivo de divulgar projetos, eventos e notícias culturais; favorecer o intercâmbio entre criadores e produtores de cultura; contribuir para a descoberta e divulgação de novos talentos e fortalecer a identidade cultural da Região, dentre outros, o Blog vem ampliando o alcance do Jornal e fidelizando um público verdadeiramente interessado, além de divulgar a cidade de Maricá e cidades vizinhas.
Conforme estatísticas do Blog e correspondências diversas, até a presente data: cidades: Rio, Maricá, Teresópolis, Niterói, Nilópolis, Rio Bonito (RJ); Curitiba, Cascavel, Paranaguá (PR); Pesqueira (PE); Florianópolis, Joinville (SC); Mogi das Cruzes, Guarujá, Bahia, Ceará, Brasília, Paraíba, São Paulo (SP); Manaus (AM); Vitória (ES); Jaguaruana (CE); países: Alemanha, México, Chile, Canadá, USA, Portugal, África.
Conheça este empreendimento inovador, sério e de rico conteúdo cultural. Agregue valor à marca de sua empresa. Apóie nossos projetos.
Acesse: http://kilombocultural.blogspot.com

A TORMENTA


Euclides da Cunha

(Direto da Editoria)


“Mas no empardecer de uma tarde qualquer, de março, rápidas tardes sem crepúsculos, prestes afogadas na noite, as estrelas pela primeira vez cintilam vivamente.
Nuvens volumosas abarreiram ao longe os horizontes, recortando-os em relevos imponentes de montanhas negras.
Sobem vagarosamente;incham, bolhando em lentos e desmedidos rebojos, na altura; enquanto os ventos tumultuam nos plainos, sacudindo e retorcendo as galhadas.”

(CUNHA, Euclides da. Os Sertões, vol.II da Obra Completa, Rio, Aguillar, 1966, p.24)

Encontro com livros

Agenda

Encontro com livros

Sempre às quartas-feiras, das 18h às 19h

No Kilombola Caffè

Venha ler conosco!



Canteiro Literário

Julho de 2008
Canteiro Literário





“ASSUNTO PARA UM CONTO

Artur Azevedo


Como sou um contador de histórias, e tenho que inventar um conto por semana, sendo, aliás, menos infeliz que Scherazada, porque o público é um sultão Shariar menos exigente e menos sanguinário que o das Mil e Urna Noites, sou constantemente abordado por indivíduos que me oferecem assuntos, e aos quais não dou atenção, porque eles em geral não têm uma idéia aproveitável.
Entre esses indivíduos há um funcionário aposentado, que na sua roda é tido por espirituoso, o qual, todas as vezes que me encontra, obriga-me a parar, diz-me, invariavelmente, que estou ficando muito preguiçoso, e, com um ar de proteção, o ar de um Mecenas desejoso de prestar um serviço que aliás não lhe foi pedido, conclui, também invariavelmente:
- Deixe estar, que tenho um magnífico assunto para você escrever um conto! Qualquer dia destes, quando eu estiver de maré, lá lh'o mandarei.
Há dias, tomando o bonde para ir ao Leme espairecer as idéias, sentei-me por acaso ao lado do meu Mecenas, que na forma do costume começou por invectivar a minha preguiça, e prosseguiu assim:
- Creio que já lhe disse que tenho um assunto para o amiguinho escrever um conto...
- Já m'o disse mais de vinte vezes!
- Qualquer dia lá lh'o mandarei.
- Não! Há de ser agora! O senhor tem me prometido esse assunto um rol de vezes, e não cumpre a sua promessa. Nós vamos a Copacabana, estamos ao lado um do outro, temos multo tempo... Venha o assunto!...
- Não; agora não!
- Pois há de ser agora, ou então convenço-me de que tal assunto não existe, e o senhor mentiu todas as vezes que m'o prometeu!
- Ora essa!
... ”

Fonte: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/literatura (texto em Domínio Público).

Solane Carvalho

O que temo tem nome de amor.
Pelos caminhos plantei azáleas
pensando ser rosa, couve-flor.

Guardo um compasso para entender com jeito,
o novelo dos meus passos, um dia.

Sei meu nome, minha idade, meu endereço
os outros dados
estão rolando.

Solane Carvalho


Solane Carvalho - Poeta, formada em Letras com pós-graduação em Literatura Infanto-Juvenil e Gêneros Textuais e Interações; 04 livros individuais publicados. Atualmente, Conselheira Titular do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Niterói, Diretora Regional da ABRASPP/RIO – Associação Brasileira de Síndrome Pós-Pólio/RJ. e membro do Conselho Consultivo do CVI-NITERÓI – Centro de Vida Independente de Niterói/RJ. Reside em Niterói/RJ.

Cartas dos Leitores








Para a Canteiros Editora:
Muita sorte pra vcs. Adorei saber sobre as novidades , sobre o JORNAL KILOMBO CULTURAL e o TRAÇAS...
É sempre bom saber das novidades, ainda mais no setor cultural.
Ah, tá tudo certo para o dia 19, no Kilombola.... teremos a presença de vcs?
Beijos. Bel. Delfim Moreira Comunicação e Marketing - 07/04/08

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Queridos Nádia e Marquinho:
Que felicidade sinto ao ver, ler e compartilhar dessa nova e doce missão prazerosa que os amigos estão trilhando. Que leitura gostosa que o KC nos traz com gostinho de quero mais. Parabéns pelo vigor e disposição do casal, que após anos de dedicação ao serviço publico, ainda continuam a servir ao público com a mesma competência. Ao ver o trabalho da super dupla fico energizada e confiante que ainda temos muito a construir pela frente, valeu pela força. Beijos. Vânia Maria Ribeiro - 05/05/08

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Caros amigos:
Antes de mais nada, obrigada pela lembrança e desculpem-me a ausência no lançamento do "KILOMBO CULTURAL", que aliás, está maravilhoso pois acabei de "devorá-lo" há minutos atrás. Infelizmente meu PC estava com problemas e só hoje abri meus e-mails. Enfim, desejo muito sucesso e coloco-me à disposição para participar e colaborar. Suely Guedes - (Superintendente de Cultura do Município de Maricá) - 06/05/08

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Queridos amigos:
Recebi, com agradável surpresa, o vosso simpático, útil e bem estruturado boletim.
Muito interessante e uma achega boa à cultura deste país.
O que eu puder fazer... mande, por favor! Se encontrar nos meus textos e/ou livros algo que lhe interesse, pode usar à vontade.
Gostei também muito da página de "culinária"! O texto sobre o “Nhoque” está uma delícia! Vontade de ir até Maricá e passar umas horas boas, com os amigos, não falta. A coragem é que não ajuda. Estou cada vez mais preguiçoso.
A ir... terá que ser durante a semana porque cada vez estou mais alérgico a trânsito!
Tenho por aqui uns quantos livros que, com muito gosto, posso oferecer para a vossa biblioteca. Quando aí for... Dois fortes abraços aos dois. Gabriela e Francisco.

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Para Nádia Chaia:
Num país eminentemente mulato, mas que esquece de mostrar nas escolas, com mais destaque, a cultura afro-brasileira, o empenho da Nádia Chaia em divulgar e prestigiar essa cultura é digno de nota e admiração. Desejo a ela e seus colaboradores êxito no projeto e todo o sucesso que eles merecem. Maria Eduarda Fagundes/ Portugal

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Eduarda e Nádia:
também vão os meus votos para que todos (Nádia, gente de Maricá, grupo
“Diálogos Lusófonos” e outras comunidades com os mesmos objetivos, Manuel de Sousa, em Angola, RDP ÁFRICA, etc, etc, etc) consigam êxito neste esforço de resgatar e redescobrir as culturas afro em todas as latitudes e alargar a cidadania aos afro descendentes no Mundo. E vamos continuar juntos, porque a União faz a Força.Somos formiguinhas? Um abração, Margarida. Portugal – 28/05/08

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RECEBIMENTO DE PUBLICAÇÕES:
1) Recebemos e agradecemos o nº 8, do Informativo MORANDUBA TUPI (abril-maio/08). Publicação sobre temas e noticiário indígena e meio ambiente, contendo, ainda, vocabulário e curso de Tupi, além de texto de literatura indígena.
Endereço: www.painet.com.br/joubert

2) Recebemos e agradecemos o nº 7/2008, da Revista da Academia Luso-Brasileira de Letras, encaminhada pelo Sr. Armênio Santiago Cardoso, Tesoureiro da Instituição.

Canteiro Literário

Junho de 2008


Canteiro Literário





CIDADES

Raquel Naveira

“Maior felicidade que amar uma mulher, amor de longo olhar e presente saudade, amor muito maior, é amar uma cidade!”, já nos explicava o poeta Dante Milano.
Eleger uma cidade como sua. Senti-la bater dentro do peito. Deslocar-se nela como um vento, um fantasma, um observador. Fazer dela a paisagem, o cenário, o palco, o cosmos, o centro do mundo, o resumo do império.
Campo Grande, sul de Mato Grosso, é a cidade onde nasci, me criei, casei, tive filhos, sofri, sonhei. Ali entreguei o melhor sangue, o sangue de minha juventude, a várias gerações, no ideal do magistério. Ali foi o útero no qual fui gestada por cinqüenta anos e que depois me expeliu para o mundo, por todos os séculos.
Como poeta, antena do inconsciente coletivo que capta os anseios, os desejos e as angústias do povo, transformei-me em porta-voz de minha cidade. Cantei suas praças, seus caminhos, suas fontes, seus relógios, suas feiras, suas construções, sua gente. Seu cotidiano, seu passado e, pela visão poética, abri caminhos para o seu futuro. Hoje Campo Grande é uma estrela alaranjada no céu das minhas lembranças do cerrado.
Corro agora entre grandes cidades: Rio de Janeiro, com seus becos e cheiro de maresia; São Paulo, mosaico de diversidade humana e Curitiba, cristalina entre pinhais. Estradas, luzes, túneis que se abrem e se fecham, conduzindo-me a livros, filhos, neta. Recordações e expectativas borbulham. Obras brotam de mim. Estou viva, em qualquer cidade.
O editor e poeta Raimundo Gadelha escreveu-me: “Vivem dentro de mim grandes cidades, sangüínea intimidade que de todo desconheço e como todas as cidades crescem desordenadamente sempre em busca de vazão para este outro mundo aqui fora”
É assim que me sinto, as cidades todas crescendo à minha volta e vazando para fora. Mas lá no meu ser interior há uma concha inicial, uma morada imperecível em que me escondo como um molusco num caracol, como uma alma num castelo.
O homem é um viajante entre duas cidades: a vida é uma passagem da Cidade de baixo à de cima. Santo Agostinho, em seu livro A Cidade de Deus, afirmou que a vida se desenrola entre dois amores, entre duas forças: uma terrestre e outra espiritual e celeste. Filosofou ele: “Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial.”
No Antigo Testamento, as cidades são descritas como pessoas, Jerusalém, por exemplo, é a Mãe. Babilônia, nome simbólico de Roma, é a prostituta. O Rio de Janeiro é a minha Babilônia, penso, enquanto observo as ondas brancas e negras das pedras de Copacabana. Aqui hei de edificar casas, plantar em jardins suspensos e colher frutos. É também a cidade de Corinto para onde vim, como Paulo, trabalhar com meus colegas de ofício, os armadores de tendas. Coloridas e frágeis tendas de palavras, que sobem como balões. É por isso que não temo, nem me calo, porque ninguém me fará mal. Tenho muitos companheiros nesta cidade.
Que as cidades terrenas, por onde passo, atraiam benção sobre minha vida de andarilha! De peregrina para a Cidade do Céu.

Raquel Naveira - É formada em Direito e Letras. Exerce o magistério na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Já publicou inúmeros livros, dentre eles, vários de poemas; uma trilogia na linha religiosa e um infanto-juvenil.

"Menino de Engenho" - José Lins do Rego

“Ainda me lembro de meu pai. Era um homem alto e bonito, com os olhos grandes e um bigode preto.Sempre que estava comigo, era a beijar-me, a contar-me histórias, a fazer-mes as vontades. Tudo dele era para mim. Eu mexia nos seus livros, sujava as suas roupas, e meu pai não se importava. As vezes, porém, ele entrava em casa calado. Sentava-se numa cadeira ou passeava no corredor com as mãos atrás das costas, e discutia muito com minha mãe.Gritava, dizia tanta coisa, ficava com uma cara de raiva que me fazia medo(…)” - “Menino de Engenho” – José Lins do Rego.

Como incentivar a leitura

“A leitura é um dos meios mais eficazes de desenvolvimento sistemático da linguagem e da personalidade”. Richard Bamberger – “Como incentivar a leitura” – São Paulo/SP. Cultrix/MEC. 1977

Intensa Atividade no Kilombola Caffè


Duas importantes atividades aconteceram durante o mês de maio, no Kilombola Caffè:
Dia 10 - a comemoração do Dia das Mães, com a presença de escritores, leitores e ouvintes, em torno de textos dedicados às mães. Registramos a presença da conhecida atriz e leitora, Olinda Aragão, de 94 anos, residente em Maricá, que representou todas mães e foi homenageada pelos organizadores do evento (leia-se: Kilombola Caffè, Canteiros de Obras e Canteiros Editora).
Dia 13 – a visita de 3 turmas (3º, 4º e 5º anos, do Ensino Fundamental), da Escola Municipal Amanda Peña de Azevedo Soares, da localidade de Bananal/Maricá, como parte das comemorações pelos 120 anos da assinatura da Lei Áurea. Na companhia das Profªs. Maria Amália (Diretora da Escola), Bianca e Marcia e das Inspetoras de Alunos, Lívia e Rosiléa, os estudantes conheceram as dependências do Caffé; ouviram explanação da Pesquisadora Nádia Chaia, sobre a chegada dos negros africanos ao Brasil e suas influências na cultura brasileira; ouviram alguns toques de instrumentos de percussão característicos dos negros africanos. Houve sorteio de alguns exemplares do livro infantil: “A nuvem que chovia histórias”, de Marta Mendes (escritora residente em Itaipuaçu/Maricá); livro editado e oferecido pela Canteiros Editora e doação do livro “Compêndio para estudo da história de Maricá”, de Alexandra Lambraki, pela própria autora, aos 6 ouvintes mais atentos durante a palestra de Nádia Chaia. Os estudantes receberam, ainda, vários exemplares do jornal Kilombo Cultural, cuja leitura, no local, foi orientada pela Profª Maria Amália. A visita encerrou com um gostoso lanche, com doces típicos da cultura afro-brasileira oferecidos pelo Kilombola Caffè.
1a. foto - alunos da Escola Municipal Amanda Peña na área externa do Kilombola Caffè

2a. foto - alunos na Sala de Exposições do Kilombola Caffè. Ao fundo, a pesquisadora Nádia Chaia

Canteiro Literário

Maio de 2008
Canteiro Literário




Nhoque

Há dias quero comer nhoque. Não qualquer um, o meu, feito com pouquíssima farinha, macio, e com um molho sem gordura a não ser a do frango que o acompanha.
Ontem me decidi, descongelei o frango, temperei e guardei na geladeira para ser feito hoje.
Nada pior que limpar e temperar frango! É nojento... A gosma, a pele, o cheiro que entranha na mão acrescido do vinagre...um horror! Mas o que não tem remédio....
Acordei hoje com a disposição de saborear o nhoque planejado ontem cujo frango já se encontrava meio preparado.
Coloquei para cozinhar a batata, que esta enxuta, no ponto, com casca, para acentuar o sabor, enquanto despelava os tomates, descascava alho, cebola, lavava o manjericão – colhido na hora, na horta, viçoso -, um fio de óleo e refoguei o frango para dar base ao molho. Dei a ele a cor dourada que abre o apetite e faz esquecer as vicissitudes causadas até aquele momento, acrescentei um pouco de água e abaixei o fogo. Reservei os ingredientes do molho para acrescentar quando o caldo estivesse grosso e, aí sim, cozinhar até que os ossos se soltassem da carne e a gordura se separasse dos demais ingredientes.
Entretanto a partir daí nada aconteceu de forma linear, pois antes de chegar à cozinha, ajeitei meu quarto, recolhi da sala alguns objetos que os duendes da noite insistem em tirar do lugar, lavei a louça de ontem que dormiu tão arrumada que o mesmo trabalho poderia tê-la deixada lavada!
Para aproveitar o sol dependurei na corda a roupa que dormiu na máquina, troquei a água das cachorras, enchi os potes de ração, dei uma ligeira vassourada na casa, que com a obra se enche de terra, fiz um carinho asséptico nos banheiros, troquei as toalhas de rosto e estendi ao sol as de banho, verifiquei meu e-mail, respondi alguns, outros larguei para responder mais tarde. Ainda na net dei uma olhada nas manchetes dos jornais de hoje, tomei um banho, vesti uma roupa de ficar em casa e fui ao nhoque.
Simples, como um parto normal! Segundo sabedoria do Doutor Helmo, grande pensador que me leva a aplicar a sentença a inúmeras situações do cotidiano.
Neste ponto toca o telefone, é uma amiga a quem não vejo há muito e que o orkut trouxe de volta.
Papo vai, papo vem, e com o telefone grudado entre o ombro e a orelha desligo o fogo do frango, tampo os preparos do molho com um pano, escorro a água da batata, e continuo a conversa até que constato que estou com fome.
Neste momento já estou tentando lhe dizer até logo, até mais, nos falamos amanhã, certo e vou pensando: ainda falta esquentar para amassar as batatas, que a esta altura estão frias, despelar, triturar, dar ponto com farinha e uma gema de ovo, temperar com sal, uma pequena pitada de noz moscada, acrescentar um punhado de queijo ralado, obter uma massa homogênea e passar a fazer rolinhos, picar em pedacinhos, enfarinhar bastante o mármore, aguardar a água ferver e cozinhar aos punhados, aguardar subir, escorrer; isto sem falar do molho, ainda cru!... Logo: refogar, agregar, aguardar o ponto, e só então regar o nhoque, salpicar de queijo ralado e levar rapidamente ao forno!
Com este pensamento desligo o telefone e abro o armário da cozinha em busca de uma vasilha e neste momento vejo um pacote de macarrão instantâneo. Este não só me olha, se oferece me chama.
Delícia dos tempos modernos! As batatas? Ou as entrego a um vencedor, seguindo o conselho de Machado, ou as guardo para amanhã, já semiprontas, para quem sabe um nhoque. O frango? Ah! O frango estava ótimo!


Gilda Delgado – Socióloga, escritora – Maricá/RJ.

UM LIVRO

Sonho,
o governo
que não me governe.
Sonho
o salário
que não me compre a fome,
que me vista
e que me dê um livro!
Sonho
o caminho
que não me obrigue à volta.
Sonho
com a curva
que não me tire
a visão das minhas marcas
no chão que me sustenta.
Sonho, enfim,
com um sol de liberdade tal
que não me traga sede
mas me faça sombra,
proteção
à flor humilde,
sem perfume,
só cores,
mas filha de um espinho
que me desperte
para um governo
que não me governe,
um salário
que não me compre a fome,
que me vista
e que me dê
um livro...

Fernando Mendes – Jornalista, escritor.
São Gonçalo/ Rio de Janeiro

O Pintor e o Pássaro Azul

Numa doce manhã
um suave regresso
qualquer coisa que há no ar,
um passarinho azul
está pairando, esvoaçando
a cantarolar, dá uma volta
uma volta e meia
e quando volteia pousa no seu olhar.

No coração que meigo e terno bate
está uma idéia
feita uma aquarela, amarela
que volteia na tela
e do meio do branco vazio
que era nada
um passarinho azul que sai
correndo através da manhã

Feito um pedacinho de lã
vai voando, cantarolando
de fantasia que foi um dia
da saudade de partir, do regresso
até que de novo encontra um papel
um outro olhar
uma idéia feita um arco íris
qualquer coisa que está no ar.

Luís Carlos dos Santos - Professor Universitário, Antropólogo.
Alhos Vedros - Portugal


Imagem: "Pássaro azul...
Quadro de Tapadinhas

“CAPÍTULO XLV / ABANE A CABEÇA, LEITOR

Abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já não o obrigou a isso antes; tudo é possível. Mas, se o não fez antes e só agora, fio que torne a pegar do livro e que o abra na mesma página, sem crer por isso na veracidade do autor. Todavia, não há nada mais exato. Foi assim mesmo que Capitu falou, com tais palavras e maneiras. Falou do primeiro filho, como se fosse a primeira boneca.
Quanto ao meu espanto, se também foi grande, veio de mistura com uma sensação esquisita. Percorreu-me um fluido. Aquela ameaça de um primeiro filho, o primeiro filho de Capitu, o casamento dela com outro, portanto, a separação absoluta, a perda, a aniquilação, tudo isso produzia um tal efeito que não achei palavra nem gesto; fiquei estúpido. Capitu sorria; eu via o primeiro filho brincando no chão...” (“Dom Casmurro”/ Machado de Assis.- São Paulo: Abril Cultural,1981.)

Velha Estação

Nada mudou na histórica estação,
Onde passavam trens, trens de madeira:
O muro, a tenda, o torniquete, o chão...
Testemunhas da vida rotineira.

Apenas, em lugar da confusão,
Da turba alvoroçada e faladeira,
Uma profunda e triste solidão
Geme na plataforma a tarde inteira.

O capim já se avulta lado a lado,
Num cheiro inconfundível de passado,
Símbolo de esquecida realidade.

Agora, apenas a ilusão mesquinha
Sob a forma da tosca estaçãozinha,
Conservada no signo da saudade.

Renato Aquino - Professor de Língua Portuguesa/Gramática.
Maricá/ Rio de Janeiro.

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