Maricá/RJ,

ÁFRICA DE TODAS AS CORES, SONS E...SABORES

EU ME LEVANTO!


Há momentos na vida em que um som, um gesto, uma atitude, um cheiro ou um olhar podem levar nosso espírito a fazer, em um único segundo, uma viagem de regresso ao passado, a reviver situações ou lembrar de outras tantas que não vivemos, num turbilhão de emoções. Assim foi com “Negro Olhar”.
Ao fundo, na voz de Ruth de Sousa, trechos de “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Forte, doído, marcante... um diário da miséria, da luta: um misto de desespero e esperança. Em cena, três mulheres e um homem apresentam, com maestria, textos de própria autoria com os de outros tantos autores, misturando-os de tal forma que fica difícil saber onde termina um e começa o outro, envolvendo a platéia completamente.
Repentinamente uma das mulheres, em um rompante que mais parecia o salto de um felino, levanta-se e grita: -“EU ME LEVANTO”! E com tal determinação e altivez o fez que, como num passe de mágica, reportei-me ao século XVII e senti-me frente a frente com uma personagem de grande importância na história angolana, tão grande que virou um mito: a rainha Jinga. Tida como figura sagaz, guerreira, determinada, dotada de grande percepção estratégica, muito hábil em negociações. Altiva e indomável, embora estrategicamente tenha feito acordos que pareciam ter ela se submetido. Foi “uma das mais significativas e influentes figuras políticas do século XVII” (Parreira, Adriano – Economia e Sociedade em Angola no tempo da rainha Jinga,1997,Lisboa).
Conta uma das muitas histórias sobre a rainha Jinga que,chamada a uma reunião com o representante da coroa portuguesa em Angola, o governador João Correia de Souza, não havia uma cadeira para que ela se sentasse. Sem se perturbar, chamou uma escrava que colocou-se de quatro e sentou-se calmamente em suas costas. Terminado o encontro levantou-se e saiu deixando a escrava no mesmo lugar em que estava. Quando lhe perguntaram se não havia esquecido da escrava responde que não, pois não costumava carregar com ela a cadeira em que se sentava.
Aos poucos retornei ao presente, a tempo de ouvir os demais atores repetindo, em tom mais baixo, eu me levanto... eu me levanto... eu me levanto... Emocionados levanta-mo-nos todos para aplaudir...de pé. Jinga estava viva no Brasil!
Bendito olhar... negro!


Nádia (Sidewí) Chaia - Pesquisadora de Cultura Afro; Africanidade e temáticas Afro-Brasileiras.
Foto: Mafchaia

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