CÍRCULO SAGRADO
Nádia
Chaia (Sidewí)
Na
grande maioria das manifestações religiosas e culturais de raízes africanas
podemos observar que tudo é feito em círculo, chamado habitualmente pelos
assistentes e participantes de roda; assim temos a roda de samba, roda de
jongo, roda de capoeira, roda de candomblé, roda de pagode e por aí vai.
Prestando atenção, notamos que em todas as rodas onde se presta reverência aos
ancestrais, como por exemplo, citaremos as rodas de capoeira, de jongo e de
candomblé, os movimentos de formação das rodas, as danças e todo o gestual são
feitos sempre no sentido contrário ao do relógio. Quando, em determinados
rituais, as pessoas se reunem para refeições comunitárias onde também os
ancestrais e antepassados são convidados a participar, os pratos, ao final, são
passados de mão em mão para serem recolhidos em sentido anti-horário.
O
círculo é uma figura que junta o início ao fim sem que se possa precisar
exatamente onde começa um e termina o outro, ambos se fundem. Nas culturas
tradicionais africanas de origem bantu, há uma crença inabalável na existência
de um duplo do mundo em que vivemos, ou seja, há o mundo visível em que
habitamos e outro, o duplo, que não podemos ver. Os antepassados, os ancestrais
e os mortos comuns habitam o mundo invisível, isto é, “vivem” lá e de lá
continuam a influir na vida e no destino daqueles que ainda estão no mundo
visível. Uma vez que nosso tempo é marcado em função do sol, desde o nascimento
pela manhã ao poente no final do dia (da esquerda para a direita), para se
entrar em contato com os ancestrais é necessário que se faça o percurso
inverso, da direita para a esquerda, pois o tempo e a “realidade” deles tem
outra medida, outra dimensão.
O
círculo sagrado, ou roda, é uma das portas que permitem o contato entre os
vivos e os que, não mais por aqui, não deixam de estar “vivos”.
Quando
se procurar conhecer e entender, deixa-se de temer e passa-se a respeitar as
raízes e heranças recebidas.
Nádia Chaia (Sidewí) - Pesquisadora
de culturas bantu e afro-brasileiras.
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